terça-feira, 26 de outubro de 2021

A GÊNESE DO TAO TE CHING (Lao-tse)

 Introdução de Wu-ming (1947-    )


O Lao-tse (Livro de Lao) ou Tao-Te-Ching (Clássico do Caminho e do Poder), como passou a ser chamado a partir de Huang-fu Mi (215-282 d.C.), é um pequeno tratado de pouco mais de 5000 ideogramas que influenciou profundamente na formação das doutrinas Taoista, Confucionista e Budista Ch’an, os três principais sistemas filosóficos e religiosos da China.

Foi de fundamental importância a influência desse pequeno tratado na formação da idiossincrasia do povo chinês. No Ocidente, a partir do século XIX, o Tao-Te-Ching também passou a despertar um enorme interesse por parte dos estudiosos das religiões orientais em geral e dos sinólogos em particular, tornando-se o segundo livro mais traduzido depois da Bíblia.

Escrito em torno do século III a.C., o pequeno tratado  é composto por 81 capítulos curtos (p’ien) sem nenhuma ligação aparente entre eles, numa linguagem muitas vezes hermética, e cujo tema principal são os passos para alcançar o Caminho (Tao) e seu Poder (Te). Não há certeza de que o Tao-Te-Ching tenha sido escrito realmente por Lao-Tse, um personagem lendário do qual não se tem certeza histórica, e pode ter sido a obra de vários autores em épocas sucessivas. De fato, no texto são citados aforismos de pelo menos dez diferentes escolas filosóficas da época, além de um capítulo que guarda uma extraordinária semelhança com uma parábola contada por Buda.

É tão hermético que não há consenso nem sobre do que se trata, pois já foi catalogado, entre outras coisas, como um manual de estratégia militar, um programa de governo, um livro sagrado, um tratado de filosofia e um método para alcançar a imortalidade.

De tudo o que foi comentado sobre o Tao-Te-Ching nesses pouco mais de dois mil anos, apenas uma certeza: é um dos três ou quatro livros mais importantes da humanidade, cujo texto enigmático foi, é e continuará sendo uma fonte de inspiração inesgotável, tal como o próprio Tao.

Esta versão com alguns comentários, mais uma entre centenas, pretende lançar alguma luz sobre os aspectos mais obscuros do Clássico, principalmente aqueles relacionados com os conselhos de Lao-Tse para o mestre à procura do elixir da imortalidade.

Wu-ming
Rio de Janeiro, 15 de Dezembro de 2005.

A ALQUIMIA INTERIOR DE LAO-TSE

Comentário de Wu-ming (1947-)

O Lao-tse é o livro mais traduzido no Ocidente depois da Bíblia. Segundo Arthur Waley, autor de uma das mais conceituadas versões da língua inglesa, até a presente data foram realizadas mais de duas mil versões.

Na China e no Japão, após estudar alguns paradoxos (kung-an), é impossível deixar de perceber a enorme influência que esse pequeno livro teve na formação filosófica da escola Ch’an (Zen) Budista, que no aspecto prático desenvolveu técnicas que induzem à quietude da mente. Já o Taoismo, que adotou Lao-Tse como um dos seus patronos, interpretou os capítulos místicos do Tao Te Ching, desenvolvendo a Alquimia Interior, através de técnicas de manipulação da energia vital (ch'i) para prolongar a vida, e a Alquimia Exterior, a partir da transmutação do cinábrio em mercúrio, da qual resultaram as supostas pílulas da imortalidade.

No texto aqui apresentado foram comparadas aproximadamente 30 das mais conceituadas versões do Tao Te Ching, além de inúmeros comentários sobre o texto, tanto de comentaristas chineses como ocidentais, num trabalho de pesquisa que durou em torno de 14 anos.

A Alquimia Interior, da qual tratam vários capítulos do texto do Lao-tse, é um método desenvolvido para prolongar a vida e alcançar a imortalidade. Trata-se de uma experiência transformadora que consiste em esvaziar gradualmente a mente e o coração das palavras, ações e desejos que colocam o homem comum numa trajetória existencial contrária ao Tao. O objetivo do alquimista interior não é o de aumentar seus conhecimentos (princípio confucionista), nem desenvolver as ações conscientes (wei), nem estimular os desejos (yu); justamente, o contrário, desligar-se dos conhecimentos (wu-ming), desligar-se das ações conscientes (wu-wei) e desligar-se dos desejos (wu-yu), até alcançar o estado de vazio completo (hsu) que é o principal atributo do Caminho Imutável (Ch’ang Tao) e que possibilitará a detenção do processo de esvaziamento da energia vital que exaure a vida.

A prática diária dos ensinamentos de Lao-Tse é o método através do qual se realiza o processo de purificação da mente e do coração ‑ a alquimia interior. O periódico retiro numa gruta ou caverna numa montanha também se torna necessário como forma de retornar às origens, tal como recomendavam os primeiros mestres Taoistas ‑ não foi por acaso que Lao-Tze montou num búfalo e se perdeu nas montanhas sem que nunca ninguém soubesse mais nada dele. A prática da meditação Taoista pode ser um meio de induzir, momentaneamente, á quietude da mente e do coração; porém só a prática permanente dos três princípios (wu-ming, wu-wei e wu-yu) até incorporá-los ao subconsciente possibilitará a realização natural e espontânea (tzu jan) do estado de quietude completa (hsu). momento em que poderá dar-se inicio à Alquimia Interior e ao processo de destilação do elixir da imortalidade. O método de destilação do elixir da imortalidade (Hsin Ming Fa Chueh Ming Chih ou Segredos do Cultivo da Essência da Natureza e da Vida Eterna) será o tema do próximo blog, ainda em construção.

Wu-ming
Rio de Janeiro,15 de Dezembro de 2005


A FILOSOFIA DE LAO TSE

 Comentário de Wu-ming (1947-


“Seleção é exclusão; instrução é omissão: o Tao não exclui nem omite nada.”
Shen-Tao


TAO (CAMINHO, PRINCÍPIO, LEI, VERDADE, REALIDADE)
CH’ANG (IMUTÁVEL, INVARÍAVEL, CONSTANTE, PERMANENTE, ETERNO)
O ideograma tao desempenhou um papel fundamental na formação do pensamento da China Antiga e tinha, originariamente, o significado de caminho ou estrada. Partindo deste significado simples, o ideograma assumiu, ainda na Antigüidade, o sentido metafórico de “caminho do homem”. Assim, o caminho (tao) de Kung-Tse (Confúcio) era o ritual (li); o caminho (tao) de Mo-Tse, o utilitarismo (li) e o caminho (tao) de Mêng Tse, a moralidade (i).

Já no Lao-tse, o ideograma tao expressa uma idéia metafísica, totalmente nova em relação ao homem comum, que significa o “caminho imutável”. O sentido metafísico do ideograma tao provém de sua associação com o ideograma ch’ang. O ideograma ch’ang abrange os conceitos de imutável, invariável, constante, permanente, absoluto e eterno; e de sua associação com o ideograma tao surgiu o conceito “Caminho Imutável”,ou Ch’ang Tao, conceito central na filosofia de Lao-Tse.

Talvez seja por causa da grande importância que o ideograma tao - do qual o Taoísmo extraiu seu nome – desempenhou na formação cultural da China Antiga, que os filólogos e sinólogos ocidentais sempre se concentraram no estudo exaustivo desse ideograma, deixando em segundo plano o ideograma que de fato contém a primeira chave para interpretar corretamente o texto do Lao-tse. O ideograma ch’ang é precisamente o conceito que diferencia o caminho de Lao-Tse do caminho dos outros pensadores da época. Enquanto cada um dos principais mestres da China Antiga proclamava ensinar o melhor “caminho dos homens”, Lao-Tse ensinava o Ch'ang Tao ou “Caminho Imutável". Assim, o primeiro passo para interpretar o texto do Lao-tse é tentar entender o conceito “Caminho Imutável”.

O “Caminho Imutável” se opõe ao “caminho mutável” e contém implícita a primeira antítese do texto: imutável/mutável . A mutação (I) é a principal qualidade das “dez mil coisas”; isto é, do mundo manifestado, e objeto de estudo do mais importante livro da China: o I Ching ou Clássico das Mutações. O princípio da mutação determina uma outra qualidade fundamental das "dez mil coisas": a impermanência. Isto significa que as "as dez mil coisas" estão determinadas pela mutabilidade e pela impermanência; ou seja, pelo que hoje definimos como coordenadas espaço-tempo. Desta mesma forma, os inúmeros caminhos (Tao) ensinados e seguidos pelos mais de trezentos sábios da Antiga China eram mutáveis e impermanentes, e por conseguinte, condenados ao fracasso. É nesse período, entre 350 e 250 a.C., quando Lao-Tse, cansado de tantos sábios e tantos caminhos que não conseguiam tirar a China do caos, concebe uma ideia inconcebível naquela época: a ideia de um caminho (Tao) imutável e permanente (Ch'ang) que pelas suas características transcende as dimensões espaço-tempo e, conseqüentemente se origina no plano metafísico. Um caminho imutável e permanente; ou seja, perfeito e eterno é, por definição, incognoscível; isto é, não pode ser objeto do conhecimento porque transcende o plano do espaço-tempo, que são as duas coordenadas percebidas pelo intelecto. E é justamente por ser incognoscível que o caminho não pode ser caminhado nem o nome ser pronunciado. É isso que significam os primeiros quatro versos do Tao Te Ching.

O caminho (tao) que pode ser caminhado
não é o Caminho Imutável (Ch’ang Tao).
O nome que pode ser nomeado (ming)
Não é o Nome Imutável (Ch’ang Ming)...
(Capítulo I)


Enquanto ainda não se manifesta pertence ao plano da não –existência (wu) e assim só podemos intuir ou pressentir a sua existência. Seria, pois, um pressentimento.

Quando podemos dar-lhe um nome (ming) é quando podemos perceber sua existência (yu) ; ou seja, sua essência (miao) se manifestou através das infinitas coisas. O primeiro par de opostos a aparecer no mundo manifestado, segundo o Tao Te Ching, foi Céu e Terra. A partir daí apareceram todos os outros nomes que constituem as infinitas coisas. Existia na China Antiga a idéia de que as coisas só existiam quando recebiam um nome. Por isso, a idéia de um caminho sem nome (wu-ming)era uma idéia mística.

Do que não tem nome surgiram “Céu e Terra”,
e dos nomes surgiram as dez mil coisas...
(Capítulo I)


Enquanto não se manifesta é incognoscível, pois pertence ao plano da não-existência (wu) :

Aquilo que olhamos e não conseguimos ver,
pois é invisível.
Aquilo que escutamos e não conseguimos ouvir,
Pois é o inaudível.
Aquilo que tocamos e não conseguimos sentir,
Pois é o intangível....
(Capítulo XIV)


Por ser incognoscível, sua essência (miao) só pode ser pressentida:

Os sinais do Poder (Te) provêm do Caminho (Tao).
O Caminho é invisível e intangível.
Invisível e intangível, mas dentro dele estão contidas as formas.
 Invisível e intangível, mas dentro dele estão contidas as coisas.
Profundo e obscuro, mas dentro dele está contida a essência (ching).
A essência é real e dela temos evidências, pois desde os
tempos mais remotos suas manifestações nunca cessaram e é
através delas que podemos pressentir a origem das dez mil coisas.
Como posso pressentir a origem das dez mil coisas?
Justamente através disto!
(Capítulo XXI)


Porém, quando se manifesta e entra no plano da existência (yu-yu) sua essência(chiao), até então pressentida, se torna cognoscível.

...Quando não existe (wu) pressentimos sua essência (miao);
e quando existe (yu) vemos sua aparência (chiao)...
(Capítulo I)


Ambos, a não-existência (wu) e a existência (yu) são os dois aspectos antitéticos do Caminho Imutável/Mutável; porém, de onde surgiu a não-existência é um mistério para a mente humana.

Ambos tem a mesma origem,
mas diferem no nome.
O mais obscuro mistério (hsuan),
é esse o portal (chiao) de onde surgiu a essência (miao).
(Capítulo I)


Uma outra questão diz respeito à energia do Caminho Imutável. Enquanto essa energia vital emana do Caminho Imutável, que é impessoal, permanece inesgotável, e portanto não se exaure; porém quando essa energia vital (ch'i) se individualiza através do homem comum ela se exaure. Além de inesgotável, de tão profunda é insondável. De acordo com a descrição de Lao Tse, a ação do Ch'ang Tao é mística e metafísica ao mesmo tempo, pois, além de ser um completo mistério, é incognoscível. Quando queremos remontar suas pegadas descobrimos que não tem origem, pois é anterior à própria origem. É interessante notar que aqui Lao Tse sugere um conceito desenvolvido pelo Budismo, que é ausência de origem. O Imperador Ancestral, segundo a tradição, foi o criador da civilização chinesa, isto é, a origem da China, portanto, o que é anterior ao Imperador Ancestral é anterior à origem; ou seja sem origem.

O Caminho parece vazio (hsu) como o interior de um vaso;
mas seu uso (yung) é inesgotável.
Insondável, talvez o antepassado das dez mil coisas.
Apara as arestas;
desata os nos;
suaviza a luz;
se torna um com a poeira .
Profundo e sereno, parece constante.
Não sei de quem possa ser filho.
Parece anterior ao Imperador Ancestral.
(Capítulo IV)


Há uma coisa indiferenciada, porem completa, anterior a “Céu e Terra”.
Silenciosa e sem forma, não depende de nada e é imutável,
opera em toda parte e está livre do perigo.
Pode ser considerada a Mãe das dez mil coisas...
(Capítulo XXV)


No texto, “Caminho”, “Caminho do Céu”, “Caminho Antigo” e “Mãe” são sinônimos do mesmo princípio.

TE (PODER, VIRTUDE)
O ideograma Te, traduzido freqüentemente como virtude, se remonta, segundo a tradição, à época legendária do começo da civilização chinesa, pois esse era o atributo necessário para que o soberano fosse indicado pelo Céu (T’ien) para o trono. No Livro da História (Shu-Ching), no Cânone de Shun o último imperador legendário, que sucedeu ao imperador Yao em 2255 a.C., diz: “O relato de sua virtude misteriosa (hsuan-te) foi ouvido das alturas, e por isso foi indicado para o trono.”

Já no texto do Lao-tse, o ideograma Te é usado também no sentido de poder, mas como está sempre associado ao ideograma Chang adquire o significado de “Poder Imutável” (Ch’ang Te). Assim, tal como acontece com o ideograma Tao, ao se associar com o ideograma Ch’ang, o ideograma Te adquire uma conotação metafísica. O Poder Imutável ou Ch’ang Te é um poder que transcende o plano "das dez mil coisas". Não somente transcende o plano "das dez mil coisas" como transcende o plano de "Cèu e Terra"; ou seja, é anterior ao Imperador Ancestral e assim como o Ch'ang Tao pertence ao plano metafísico. Por isso, o Poder Imutável é também chamado de Poder Misterioso (Hsuan-Te). Segundo a descrição do texto, o Poder Imutável confere ao sábio poderes sobre-humanos provenientes do Caminho Imutável. Mas, o caminho para adquirir esses poderes sobre-humanos é sempre o retorno ao Caminho Imutável (Ch’ang Tao).

Os sinais do Poder (Te) provém do Caminho (Tao)...
(Capítulo XXI)


...Alimenta e nutre;
produz sem se apropriar;
dá sem exigir retribuição;
guia sem comandar.
Esse é o “Poder Misterioso” (Hsüan-Te).
(Capítulo X)


...Aquele que acumulou o Poder (Te) pode vencer qualquer obstáculo.
Aquele que vence qualquer obstáculo não conhece limites.
Aquele que não conhece limites está apto para governar o Império...
(Capítulo LIX)


WU (NÃO, AUSÊNCIA, SEM, SEM INTENÇÃO, NÃO-EXISTÊNCIA)
No Taoismo e no Budismo Ch’an o ideograma wu é tão importante quanto o ideograma tao. Wu é, em primeiro lugar, uma forma negativa que quando antecede um nome significa a negação ou a ausência do objeto nomeado. Além da função de negação, o termo wu é usado no sentido de não-existência ou não-ser e, com o passar do tempo, transformou-se num dos mais importantes paradoxos (kung-an) do Budismo Ch’an (Zen). Quando um discípulo perguntou ao mestre Chou-Chou (778-897), da dinastia Tang, se o cachorro tinha a natureza de Buda, ele respondeu: “Wu!” Nesse instante o discípulo se iluminou. Por isso, no Budismo Ch’an o termo wu também significa o despertar do discípulo.

No Lao-tse, além de não-existência, wu também significa ausência ou negação e aparece sempre associado aos três atributos do Caminho Imutável: wu ming (sem nomes), wu-wei (sem ações), e wu yu (sem desejos). A alquimia interior de Lao Tse trata do método de desenvolvimento desses três atributos através dos quais o alquimista interior, depois de um longo processo transcende os nomes (wu ming), transcende às ações (wu wei) e transcende os desejos (wu-yu),  tornando-se  igual ao Caminho Imutável (Cháng Tao). E quando o alquimista interior alcança esse grau de desenvolvimento significa que alcançou os atributos do Tao e os poderes do Te.

O Caminho Imutável não tem nome (wu-ming)...
(Capítulo XXXII)


...O Caminho Imutável não age (wu-wei), mas nada fica sem ser feito...
(Capítulo XXXVII)


...Sempre sem desejos (wu-yu) pode ser chamado de “Pequeno”.
As infinitas coisas retornam a ele, pode ser chamado de “Grande”...
(Capítulo XXXIV)


WU-MING (SEM NOME)

O ideograma wu-ming significa “sem nomes” e define o primeiro atributo do Caminho Imutável. O Caminho Imutável não pode ser nomeado; ou seja, é wu ming. E por que não pode ser nomeado? Porque se origina e atua no plano metafísico. Esse plano metafísico é anterior à matéria (wu-wu), e está além dos sentidos e além do intelecto. E, no entanto, sem falar nada (wu-ming), o Caminho Imutável (Ch'ang Tao) é capaz de gerar as infinitas coisas e de fazer com que tudo o que existe embaixo do Céu funcione com absoluta perfeição e no mais perfeito equilíbrio e harmonia.

O Caminho (Tao) Imutável (Ch’ang) não tem nome (wu-ming).
Embora a simplicidade da madeira bruta (p’u) possa parecer
insignificante, ninguém no mundo pode possuí-la .
Se Reis e Duques retornassem (fu) à simplicidade da madeira bruta (p’u)
as dez mil coisas sob o Céu se submeteriam naturalmente (tzu-jan)...
(Capítulo XXXII)


Mas por quê a ausência de nomes (wu-ming) seria o modelo ideal a ser seguido pelo Mestre, cujas funções eram, no plano institucional, aconselhar o Rei sobre a melhor maneira de reorganizar o Império, e no plano pessoal, conseguir desenvolver um método para que o Rei alcançasse a imortalidade? Para responder a essa pergunta devemo-nos transportar para aquela época. Em primeiro lugar, existia na China Antiga a ideia de que as coisas só existiam quando recebiam um nome. Desta forma, a elaboração dos nomes precedia à existência das coisas e quanto mais nomes mais coisas. Assim, Lao Tse atribuía o caos existente na China naquela época à proliferação dos nomes. Já Confúcio acreditava que o problema estava no desvio da nomenclatura original dos nomes; ou seja, os nomes não mais correspondiam às coisas que tinham designado originariamente, portanto, o que devia ser feito era a retificação dos nomes para que estes voltassem a ter seu significado original. Naturalmente, essa retificação dos "nomes" (cheng ming), referia-se ao sistema de governo, às instituições e aos rituais.

...Quando a madeira é talhada aparecem os nomes (ming).
Quando aparecem os nomes (ming) é hora de parar.
E é sabendo quando parar que não se corre mais perigo.
(Capítulo XXXII)


Em segundo lugar, era necessário tomar uma atitude radical em relação às mais de trezentas escolas filosóficas que proliferavam na China, cada qual com seu caminho (tao), e cujo resultado foi levar o país ao caos, pois a China na época de Lao Tse – Período dos Estados Combatentes (402-222 a.C.) - era um lugar onde existiam aproximadamente 10 Estados com centenas de senhores feudais que viviam permanentemente guerreando entre si e que tornavam a vida do chinês comum insuportável. Além disso, havia uma corrupção generalizada, enormes impostos e uma condição de absoluta opressão da classe trabalhadora. Assim, de acordo com Lao-Tse, a reorganização da China não poderia acontecer nem através da retificação dos nomes (cheng-ming) nem tampouco pelo princípio do utilitarismo (li) defendido por Mo-Tse, nem pela moralidade (i), pilar da doutrina de Meng-Tse. Radical como possa parecer, o caminho proposto por Lao Tse era um caminho totalmente oposto àqueles propostos pelas diferentes escolas filosóficas da época em geral e da escola confucionista em particular. Na verdade, a recomendação de Lao Tse para o sábio desenvolver o atributo “sem nomes” também representava uma crítica direta ao método do conhecimento adotado como princípio pela escola confucionista, já que Confúcio considerava “o conhecimento perto da sabedoria” e “admiráveis os trezentos princípios e as três mil regras de conduta (li)”. Assim, em apenas um capítulo, Lao-Tse critica Confúcio, Meng-Tse e Mo-Tse, três dos principais sábios de sua época, de uma penada só:

Livra-te dos conhecimentos, abandona a sabedoria
e os homens sairão beneficiados cem vezes.
Livra-te da benevolência (jen), abandona a moralidade (i)
e os homens retornarão à piedade filial (hsiao) e ao amor paterno.
Livra-te do utilitarismo (li) abandona a habilidade
e não haverá mais bandidos nem ladrões...
(Capítulo XIX)


Na verdade o atributo wu-ming não se referia apenas à necessidade de libertar a mente da tirania dos nomes escritos, mas também das palavras:

...As palavras são inúteis.
E melhor manter-se no interior (chung)
(Capítulo V)


...Como eram discretos aqueles soberanos antigos, mostrando
com seu silêncio o pouco valor das palavras!..
(Capítulo XVII)


Segundo a tradição Ch’an, a transmissão silenciosa do Darma começou quando Buda entrou no salão onde estavam reunidos todos os seus discípulos esperando um discurso de transmissão do Darma e, ao invés disso, o Iluminado pelo Mundo, sem dizer uma palavra, levantou uma flor, e de todos os discípulos apenas Mahakasyapa compreendeu o gesto respondendo com um largo sorriso. Através dos séculos, a prática da transmissão silenciosa (do Darma) fora das escrituras se transformaria na marca registrada da tradição Budista Ch’an.

Na alquimia interior de Lao-Tse, o princípio “sem nomes” (wu-ming) - isto é, o silêncio da palavra - é o primeiro atributo a ser desenvolvido pelo alquimista interior no caminho de retorno ao Caminho Imutável. Na prática, esse é o 1º estagio para alcançar a quietude completa (hsu) da mente e do coração.

WU-WEI (SEM AÇÕES)
O ideograma wu-wei significa “sem ações” e define o segundo atributo do Caminho Imutável. O Caminho Imutável não age; ou seja, é wu wei e, e no entanto nada fica sem ser feito. Portanto, essa é a segunda qualidade a ser desenvolvida pelo alquimista interior para retornar ao Caminho Imutável. Assim, o alquimista interior também deve praticar wu wei.

...Assim, o Mestre:
age (wei) sem agir (wu-wei)...
(Capítulo II)


É de se notar que Lao-Tse não propõe a inação, muito pelo contrário. O que ele sugere é uma intensa e rigorosa disciplina introspectiva, de forma a conseguir permanecer “sem ações” diante das inúmeras situações que nos apresenta a vida e assim não interferir no curso natural das coisas. E por que isso? Porque existe uma ordem superior e uma força maior que qualquer ação humana, o Caminho Imutável, que sem nenhuma ação aparente consegue que tudo se mantenha em perfeita ordem e equilíbrio, sem que nada deixe de ser feito. Qualquer interferência do ser humano seria imperfeita ou incompleta em relação à ação do Caminho Imutável. Ademais, as ações (wei) agitam a mente, impedindo que o adepto alcance o estado de quietude completa (hsu).

O Caminho (Tao) Imutável (Ch’ang) não age (wu-wei), mas nada fica sem ser feito.
(Capítulo XXXVII)


...Encher a vida até a borda é de mau agouro;
agitar o coração (hsin) leva-o à rigidez;
quando as coisas alcançam o apogeu começam a declinar.
Tais ações são contrárias ao Tao (Caminho)
e tudo que é contrário ao Tao morre cedo.
(Capítulo LV)


...Fecha a boca, tranca as portas e viverás sem decair até o
final dos teus dias.
Abre a boca, aumenta tuas tarefas e não haverá salvação até
o final dos teus dias.
Perceber o imperceptível, é iluminação.
Aderir à fraqueza, é fortaleza.
Aquele que conhece o brilho exterior, mas retorna (fu) ao
esclarecimento interior, se livra do perigo pelo resto de sua vida.
Isso se chama: “praticar o Imutável" (Ch’ang).
(Capítulo LII)


Na alquimia interior de Lao-Tse, a não-ação (wu-wei) - o silêncio da mente - é o segundo estagio no caminho de retorno ao Caminho Imutável. Na prática, esse é o 2º estagio para alcançar a quietude completa da mente e do coração (hsu).

WU-YU (SEM DESEJOS)
O ideograma wu-yu significa “sem-desejos” e representa o terceiro atributo do Caminho Imutável. Segundo Lao Tse, o estímulo dos desejos agita ao coração e no Capítulo LV, afirma:

”...Encher a vida até a borda é de mau agouro;agitar o coração leva-o à rigidez...
(Capítulo LV).


Por isso, no Capítulo II, Lao Tse recomenda:

...não excitar os desejos;
evita que o coração dos homens se agite...
(Capítulo II)


De acordo com Lao-Tse, a vontade de realizar os desejos almejados pela mente e pelo coração é a principal causa da agitação da mente e do coração e mesmo aquietando a mente, se há desejos não há quietude (hsu). Ademais, agitar a mente e o coração significa encher a vida até a borda o que exaure a vida. E aqueles que exaurem a vida morrem cedo.

...A simplicidade da madeira bruta (p’u) do sem nome (wu-ming) significa sem desejos (wu-yu).
Sem desejos (wu-yu) significa quietude (hsu)...
(Capítulo XXXVII)


Na alquimia interior de Lao-Tse, sem desejos wu-yu - o silêncio do coração - é o 3º e talvez mais difícil estagio no caminho de retorno ao Caminho Imutável. Na prática, esse é o 3º estagio para alcançar a quietude completa (hsu) da mente e do coração.


HSU (QUIETUDE, VAZÍO )
Segundo Wing Tsit Chan - A Source Book in Chinese Philosophy, Princeton University Press - “o termo hsu é um termo Taoísta, freqüentemente usado pelos neo-Confucionistas, que descreve um estado da mente de paz e pureza absoluta, livre de preocupações e desejos do ego, imperturbável aos estímulos, tanto exteriores quanto interiores”. De acordo com o texto de Lao Tse a quietude completa é o estado da mente e do coração que o Mestre deve alcançar para retornar (fu) ao Caminho Imutável. O estado de quietude completa é alcançado através da prática dos três princípios: “sem nomes” (wu-ming), “sem ações (wu-wei), e “sem desejos” (wu-yu). E por quê é tão fundamental alcançar o estado de quietude completa? Porque alcançando o estado de quietude completa se detém o processo que exaure a vida e leva a morte. São as palavras (ming), as ações (wei) e os desejos (yu) que agitam a mente e o coração do homem e que acabam exaurindo a vida, e quando a vida se exaure o homem é renovado. As plavras, as ações e os desejos são contrários ao Tao - que não fala, não age e não deseja - e tudo o que é contrário ao Tao morre cedo.

Alcança a quietude (hsu) completa.
Mantêm a tranqüilidade perfeita.
As dez mil coisas entram na existência (yu)
e depois as vemos retornar (fu).
Contempla as coisas que florescem,
cada qual retorna à origem.
Retornar à origem significa quietude.
Quietude significa retornar ao destino.
Retornar ao destino significa imutável (ch’ang).
Praticar o imutável é chamado iluminação.
Não praticar o imutável leva à desgraça...
(Capítulo XVI)


... Encher a vida até a borda é de mau agouro;
agitar o coração (hsin) leva-o à rigidez;
quando as coisas alcançam o apogeu começam a declinar.
Tais ações são contrárias ao Caminho (Tao) e tudo que é contrário
ao Caminho (Tao) morre cedo.
(Capítulo LV)


...Aqueles que praticavam o Caminho (Tao) não tentavam se
encher até a borda;
e porque não tentavam se encher até a borda não se exauriam,
evitando assim de serem renovados.
(CAPÍTULO XV)


CHING (ESSÊNCIA VITAL)
CH’I (ENERGIA VITAL)

No texto do Lao-tse, quando o ideograma hsu (vazio) aparece associado ao ideograma hsin significa esvaziar a mente e o coração. È claro que, além da quietude completa, algumas técnicas ancestrais também ajudam a destilar o elixir da imortalidade. Lao Tse faz referência a algumas dessas técnicas já no Capítulo III, porém de uma forma bastante hermética::

...Assim, o Mestre governa:
esvaziando a mente e o coração (hsu-hsin);
enchendo o ventre;
enfraquecendo as vontades;
fortalecendo os ossos...
(Capítulo III)


No primeiro verso “governa” significa regular certos princípios. No segundo verso Lao-Tse se refere aos três princípios da alquimia interior – wu-ming, wu-wei e wu-yu através dos quais é possível esvaziar a mente e o coração de forma a alcançar o estado de quietude completa. O terceiro verso faz alusão a uma técnica respiratória que consiste em concentrar a energia vital (ch’i) num ponto situado dois dedos abaixo do umbigo (tan t’ien inferior). Depois de muito praticar, a energia vital acumulada no tan t’ien inferior começa a subir pelo canal do controle (tu mo), até chegar ao cérebro (ni wan), para depois descer pelo canal da função (jen mo) completando a Órbita Microcósmica. Os terceiro e quarto versos são referências aos ensinamentos expostos no Huang Ti Nei Ching Su Wên (O Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo), o mais antigo livro de medicina da humanidade. Nele, o mestre Ch’i Pó explica para o Imperador Amarelo que os desejos são regulados pelo baço- raiz da vida pós-natal-, enquanto que os ossos estão ligados ao sistema urogenital–raiz da vida pré-natal, que determina nossa vitalidade.. A intensidade dos desejos está relacionada de forma inversa à energia do baço. Por isso, se os desejos são muito intensos, eles absorvem a energia do baço, que pela sua vez, para compensar o desequilíbrio, absorve energia do sistema urogenital, diminuindo o nível de energia vital, reduzindo assim nossa vitalidade, e, conseqüentemente, nosso tempo de vida. Por outro lado, uma forma de aumentar nossa vitalidade é fortalecendo os ossos. Conforme foi exposto por Ch’i Pó no Nei Ching “fortalecer os ossos e o tutano é a base da própria vida”. O fortalecimento do tutano dos ossos é feito através da concentração do esperma (ching), evitando a ejaculação durante o ato sexual. Assim, no lugar de ser dispersa na ejaculação, a energia concentrada no esperma produzido durante o ato sexual é purificada fazendo-a circular pela Órbita Microcósmica e acumulada no Tan T’ien inferior onde se transmuta em vitalidade. Este cinco versos formam um dos pilares sobre os quais foi construído o sistema Taoísta.

Lao-tse considerava o uso e abuso dos órgãos dos sentidos, o engajamento em atividades que estimulassem a luxuria e o prazer, e a cobiça e o acúmulo de riqueza, atividades que representavam grandes perigos para a saúde e a longevidade da pessoa, já que através dessas portas se dissipa e se exaure a energia vital. Assim, ele não se cansa de alertar sobre esses perigos, recomendando sempre a atitude introspectiva e a concentração da energia vital (C'hi) no ventre (Tan T'ien), como forma de preservar a saúde e prolongar a vida.

As cinco cores cegam os olhos do homem.
Os cinco sons ensurdecem os ouvidos do homem.
Os cinco sabores estragam o paladar do homem.
Corridas e caçadas agitam a mente e o coração do homem.
Objetos de valor prejudicam a conduta do homem.
Assim, o Mestre se ocupa com o ventre
e não com os olhos.
Ele aceita isto e rejeita aquilo.
(Capítulo XII)


Lao Tse considera que os benefícios do cultivo da energia vital e da prática introspectiva conferem a seu praticante os poderes do Caminho Imutável.

...Fecha a boca;
tranca as portas;
apara as arestas;
desata os nós;
abaixa a luz;
se torna um com a poeira;
isso se chama “Acordo Misterioso”.
Aquele que o alcançou,
não pode ser aceito nem rejeitado;
não pode ser favorecido nem prejudicado;
não pode ser elogiado nem humilhado.
Eis porque ele é o mais valioso dos homens sob o Céu.
(Capítulo LVI)


“Fecha a boca”, refere-se à técnica de cultivo da energia vital Taoísta, que consiste em se sentar com as pernas cruzadas, fechar a boca, colocar a língua no céu da boca (palato), colocar a palma da mão direita (yin) virada para acima encima da palma da mão esquerda (yang) também virada para cima, fechar o círculo de circulação de energia do corpo encostando a ponta do polegar da mão direita na ponta do polegar da mão esquerda, e finalmente, começar a respirar pausadamente pelo nariz com os olhos ligeiramente entreabertos fixados na ponta do nariz. “Tranca as portas” é uma alusão ao fechamento dos órgãos dos sentidos, olhos, ouvidos, paladar, nariz e tato, para os estímulos exteriores. Na prática da órbita Microcósmica e Macrocósmica Taoísta deve-se manter os olhos entreabertos olhando a ponta do nariz; na meditação Budista Ch’an deve-se virar a audição para dentro, como foi recomendado pelo Bodisatva Avalokitesvara (Kuan Yin) no Surangama Sutra. “Apara as arestas, desata os nós, abaixa a luz, se torna um com a poeira”, é uma descrição dos poderes do Ch’an Tao, que o alquimista interior adquire através da quietude da mente e do coração (hsu hsin)“Isso se chama Acordo Misterioso”, refere-se ao momento em que o alquimista interior alcança o estado de quietude completa depois de esvaziar a mente e o coração. “Aquele que o alcançou, não pode ser aceito (yang) nem rejeitado (yin); não pode ser favorecido (yang) nem prejudicado (yin); não pode ser elogiado (yang) nem humilhado (yin)”, significa que o alquimista interior superou a dualidade alcançando a Unidade ou estado imutável , transcendendo assim o estado de mutação que é a alternância da energia Yin e da energia Yang, as duas manifestações da energia primordial. Quando a energia primordial em estado imutável se manifesta através da energia Yin e da energia Yang, começa um ciclo de movimento alternado de expansão e contração. Esse movimento cíclico consome a energia vital, e uma vez alcançado o apogeu começa a declinar, exaurindo-se completamente. A alquimia de Lao Tse consiste, por um lado em não exaurir a energia vital agitando a mente e o coração; e, por outro lado, em acumular a energia vital através da circulação das órbitas Micro e Macrocósmicas. Assim, o alquimista interior deve transcender o ciclo de alternância do Yin e do Yang, tornando-se imutável (Ch'ang), que é a principal característica do Caminho (Tao) de Lao Tse. Quando o alquimista interior se torna imutável ele detém o processo de exaustão da energia vital e alcança a imortalidade.

FU (RETORNO)
SU (PUREZA DA SEDA CRUA)
P’U (SIMPLICIDADE DA MADEIRA BRUTA)

Ao observar o movimento do Tao, Lao--Tse percebe que o retorno (fu) é o movimento do Tao.

O retorno é o movimento do Tao.
A fraqueza é a ação do Tao.
As dez mil coisas surgem da existência (yu);
a existência surge da não- existência (wu).
(Capítulo XL)


Fu é o movimento de retorno natural e espontâneo (tzu-jan) de todas as coisas ao estado imutável e não há nada que possa deter ou alterar esse destino (ming). Lutar contra o retorno é contrário ao Tao e “tudo o que é contrário ao Tao tem vida curta” (Capítulo LV). Então, em lugar de passar a vida inteira lutando contra o movimento do Tao- o que certamente encurta a vida - melhor seria se harmonizar com esse movimento de retorno e aprender a controlá-lo, o que seguramente irá a prolongar o tempo de vida.

Entretanto, se harmonizar com o movimento do Tao, embora simples, não é nada fácil. É simples porque requer colocar em prática os conhecimentos que são obtidos através da simples observação do modus operandi da Natureza. Nada fácil porque a prática desses conhecimentos exige um movimento oposto –involução- á direção na qual estávamos nos movimentando, até o instante em que decidimos nos harmonizar com o Tao. Assim, Lao-Tse recomenda ao Mestre:

...Se após essas atitudes a vida se tornou insípida, procura:
a pureza da seda crua (su);
a simplicidade da madeira bruta (p’u);
o esquecimento de si mesmo;
ter poucos desejos (kua-yu).
(Capítulo XIX)


É claro que para seguir o caminho oposto imposto pela Sociedade é necessário adotar medidas radicais. Assim, após propor o abandono dos princípios tradicionais e dos conhecimentos ensinados por Confúcio (Kung- Tse) e por Mêncio (Mo-Tse), Lao Tse recorre às metáforas da seda crua (su) e da madeira bruta (p’u) para expressar a idéia de uma mente e de um coração em estado de simplicidade e pureza comparáveis aos do bebê quando nasce; ou seja, um retorno (fu) à consciência original . Mais qual seria a razão de abandonar os princípios tradicionais que tanto contribuíram para que a Sociedade alcançasse o atual estagio de desenvolvimento e voltar para um estado de consciência aparentemente similar ao dos homens das cavernas? Para explicar essa decisão, Lao-Tse utiliza precisamente a metáfora do bebê que na sua inocência tem uma proteção natural das forças da Natureza e ao mesmo tempo a maior vitalidade; sendo, portanto, aquele que tem a possibilidade de viver mais tempo.

Aquele que alcançou o Te(Poder)é como um bebê.
Os insetos venenosos não o picam;
as feras não o ferem;
e as aves de rapina não o atacam.
Seus ossos são brandos;
seus tendões maleáveis;
mas seu aperto de mão é firme.
Nada sabe sobre a união do homem e da mulher,
mas seu membro fica teso;
significa que a sua vitalidade está no auge.
Chora o dia inteiro sem ficar rouco;
significa que a harmonia é perfeita
Alcançar a harmonia significa estar de acordo com o que é imutável
Estar de acordo com o que é imutável é iluminação.
Encher a vida até a borda é de mau agouro;
agitar o coração leva-o à rigidez;
quando as coisas alcançam o apogeu começam a declinar.
Tais ações são contrárias ao Tao (Caminho) e tudo que é contrário
ao Tao morre cedo.
(Capítulo LV)


KUNG-AN (O PARADOXO)
O primeiro paradoxo é o do próprio livro, pois, como poderia um mestre que ensina a doutrina sem palavras escrever um livro sobre a própria doutrina? Esse paradoxo é esclarecido pelo depoimento do primeiro e mais importante historiador da China Antiga, Ssu-ma-Chien (145-86?): “Lao-Tan (Lao-tse) continuou vivendo em Chu, mas depois de algum tempo, vendo a decadência da dinastia Chou resolveu abandonar o reino e recluir-se nas montanhas. Yin-hsi, o guarda da fronteira, percebendo que o grande mestre pretendia desaparecer, condicionou a sua passagem à composição de um livro que deixasse registrados os principais conceitos de sua doutrina. Assim, o velho sábio não teve outra opção a não ser escrever em apenas uma noite um livro de mais de cinco mil ideogramas, onde expôs os princípios do Caminho (Tao) e do Poder (Te). No dia seguinte, atravessou a fronteira e ninguém sabe quando morreu. Ele era um homem superior que gostava de permanecer no anonimato”.

Já os paradoxos do texto são mais difíceis de resolver já que tem por objetivo confrontar o adepto com uma situação contraditória, de forma que ele possa perceber a inutilidade do intelecto para alcançar Caminho Imutável.

Por exemplo, os paradoxos do capítulo XXVI, “o caminhante perfeito não deixa pegadas”; “o discurso perfeito não tem palavras”; e, “a porta perfeitamente trancada não tem tranca e mesmo assim ninguém consegue abri-la”; refere-se a agir sem agir (wei-wu-wei), a falar sem palavras (ming-wu-ming) e a desejar sem desejos (yu-wu-yu), que são os três princípios da alquimia de Lao-Tse para alcançar a quietude da mente e do coração. É claro que essas e outras passagens do texto, se interpretadas literalmente, podem dar a idéia de poderes sobrenaturais ou feitos mágicos e talvez tenha sido essa a razão pela qual algumas seitas do Taoísmo popular desenvolveram a magia negra e a alquimia inferior; porém, cometeram tantos excessos que acabaram no descrédito e suas práticas tachadas de puro charlatanismo.

Alguns séculos mais tarde, o Kung-an se tornou o método de iluminação da Escola Lin Ch’i, principal seita do Budismo Ch’an. Quando o mestre achava que o discípulo estava pronto lhe dava um paradoxo para resolver, como por exemplo: “Todas as coisas retornam para o Tao, mais para onde retorna o Tao?" Enquanto não o resolvesse, o discípulo devia manter o paradoxo permanentemente na mente de manhã, de tarde e de noite, andando, parado, sentado ou deitado. Essa prática de purificar e aquietar a mente através do paradoxo o tempo todo fazia com que chegasse um momento em que o discípulo estava pronto para a iluminação (wu). No instante que o mestre percebia o estado iminente de iluminação do discípulo ela acionava uma causa contribuinte, tal como um estalo dos dedos, um beliscão, ou um grito. Naquele instante, o discípulo acordava para a realidade última e alcançava a iluminação (wu).

O COMPLEMENTO DOS OPOSTOS
Pode-se dizer que a dialética dominou o pensamento da China Antiga e é tão remota como o aparecimento da própria consciência humana. O modelo antitético nasceu da simples observação da Natureza e o primeiro exemplo através do qual o ser humano provavelmente tomou consciência do complemento dos opostos foi o homem (yang) e a mulher (yin). A alternância dos opostos certamente foi logo constatada através do dia (yang) e da noite (yin).

Lao-Tse usa e abusa da dialética e embora Arthur Waley tenha constatado que os termos yin e yang são mencionados apenas três vezes, nada menos do que vinte e cinco exemplos antitéticos são apresentados no texto. Já no Capítulo II, Lao-Tse utiliza a dialética com o objetivo de mostrar como a ação da mente é responsável pela transformação da Unidade (imutável) na Dualidade (mutável):

Quando todos os seres sob o Céu julgam o belo (yang) como belo
é aí que surge o feio (yin);
quando todos os seres sob o Céu julgam o bem como bem (yang)
e aí que surge o mal (yin)...
(Capítulo II)


Desta forma Lao-Tse procura nos mostrar que os opostos não são dois princípios irredutíveis e sim as metades complementares de um único princípio, fundamento que permeia o pensamento chinês desde os primórdios de sua civilização e cuja assimilação se constitui no maior desafio para nossa mentalidade judaico-cristá, que tende a considerar o bem e o mal como dois princípios irredutíveis.

Ao longo do texto, vários outros exemplos antitéticos são expostos com o intuito de demonstrar que os opostos, na realidade, pertencem ao mesmo princípio, sendo, portanto, complementares. Note-se que no Capítulo LXXVI, a noção de complementaridade se estabelece em relação à substância e à função, no que poderia ser interpretado como um sinal da influencia da filosofia budista.

...A não-existência (yin) e a existência (yang) geram-se mutuamente;
o fácil (yin) e o difícil (yang) completam-se mutuamente;
o curto (yin) e o longo (yang) contrastam mutuamente;
o baixo (yin) e o alto (yang) determinam-se mutuamente;
o silêncio (yin) e o som (yang) harmonizam-se mutuamente;
o antes (yin) e o depois (yang) seguem-se mutuamente...
(Capítulo II)


Quando os homens nascem (yang), são brandos e maleáveis (yin);
quando morrem (yin), tornam-se duros e rígidos (yang).
Quando as plantas têm vida (yang), são tenras e frágeis (yin);
quando morrem (yin), tornam-se quebradiças e secas (yang).
Assim, os duros e rígidos (yang) são “companheiros da morte” (yin);
e os brandos e maleáveis (yin) são “companheiros da vida”(yang).
Diz o ditado: “a lâmina demasiado rígida (yang) se partirá” (yin);
e “a árvore mais dura (yang) será cortada” (yin).
Eis porque os duros e rígidos (yang)são derrubados (yin);
e os brandos e maleáveis (yin) permanecem no alto (yang).
(Capítulo LXXVI)



A ALTERNÂNCIA DOS OPOSTOS
Para Lao-Tse, os opostos gerados pela divisão da unidade em dualidade não apenas contêm o principio de complementaridade, como que também contêm um outro principio fundamental: o movimento de alternância. O principio de alternância é um dos pilares sobre o qual se apóia o Clássico das Mutações (I Ching). No primeiro parágrafo do Capitulo V do “Grande Tratado” (Ta Chuan), diz: “Ora Yang, ora Yin, esse é o Tao”. Essa afirmação contida no I Ching sugere que o Tao é é um movimento cíclico e permanente de alternãncia dos opostos, determinado pela expansão e contração, ora do princípio Yang, que vira Yin, ora do princípio Yin, que vira Yang. Porém, Lao Tse utiliza o princípio da alternância dos opostos para mostrar que a estratégia de procurar o Yang - atitude característica da mentalidade Ocidental – na realidade conduz ao resultado contrário, pois o que se obtém é o Yin.

Aquele que alimenta a vida em excesso (yang) encontra a morte (yin)...
(Capitulo L)


...Quando as coisas alcançam o apogeu (yang) começam a declinar... (yin)
(Capítulo LII)


Para contraí-lo (yin), é necessário primeiro expandi-lo (yang);
para enfraquecê-lo (yin), é necessário primeiro fortalecê-lo (yang);
para destituí-lo (yin) é necessário primeiro promovê-lo (yang);
para tirar-lhe (yin) é necessário primeiro dar-lhe (yang).
Isso se chama: “obscurecer a própria luz”...
(Capitulo XXXVI)


A SUPREMACIA DO YIN SOBRE O YANG
Desta forma, quando Lao Tse observa a ação da Natureza, ele constata que a alternância do Yin e do Yang não é igual, como sugere a afirmação encontrada no primeiro parágrafo do Capitulo V do “Grande Tratado” (Ta Chuan) : “Ora Yang, ora Yin, esse é o Tao”. Essa afirmação sugere que a chance de alternância de Yang para Yin e de Yin para Yang é de 50%. Entretanto, quando usamos o método tradicional de consulta ao I Ching com as varetas de milefólio, verificamos que a probabilidade matemática de uma linha Yang se transformar numa linha Yin é de 75%, enquanto que a probabilidade matemática de uma linha Yin se transformar numa linha Yang é de apenas 25%. Essa relação de probabilidades mostra claramente que, no caso de consulta tradicional pelo método das varetas, o movimento de alternância dos opostos no I Ching tem uma forte tendência para o Yin. No Tao Te Ching, Lao Tse expõe claramente essa tendência.

...O brando (Yin) vence o duro (Yang) e o maleável (Yin) o rígido (Yang)...
(Capitulo XXXVI)


Não há nada mais brando (yin) e maleável (yin) que a água (yin),
mas nada há de melhor para vencer as coisas duras (yang) e rígidas (yang).
Por isso, é insubstituível.
Todos sabem que o brando (yin) vence o duro (yang) e que o maleável (yin)
vence o rígido (yang), mas ninguém o pratica...
(Capitulo LXXVIII)


A ESTRATÉGIA: AÇÃO YIN, EFEITO YANG
Esta tendência para o princípio Yin mostrada pela ação da natureza leva Lao Tse a elaborar uma estratégia que com o passar do tempo se constituiria num dos pilares fundamentais do Taoismo e tal vez tenha sido a característica mais marcante da idiossincrasia do povo chinês: a ação Yin para conseguir um resultado Yang. Desta forma, utilizando o próprio modelo da Natureza, Lao-Tse nos aconselha:

Sê maleável (yin) e te conservarás inteiro (yang).
Enverga-te (yin) e ficarás ereto (yang).
Esvazia-te (yin) e serás repleto (yang).
Exaure-te (yin) e serás renovado (yang)...
(Capítulo XXII)


Aquele que conhece a atitude do macho (yang), mas segue o modelo da fêmea (yin),
é como o vale (yin) do Império.
Sendo como o vale do império alcança o Poder Imutável (Ch’ang-Te) e retorna à infância (yin).
Aquele que conhece a luminosidade (yang), mas segue o modelo da obscuridade (yin),
é como o vale (yin) do Império.
Sendo como o vale do império não se desvia do Poder Imutável
e retorna à não-existência (yin).
Aquele que conhece a glória (yang), mas segue o modelo do anonimato (yin),
é como o vale do Império.
Sendo como o vale do Império não se afasta do Poder Imutável
e retorna à simplicidade da madeira bruta (yin)...
(Capítulo XXVIII)

O TEXTO DO TAO TE CHING (Lao tse)

 Tao (Caminho)


I
1. O Tao (Caminho) que pode ser caminhado
não é o 
Caminho Imutável (Ch’ang-Tao)
O nome (ming) que pode ser pronunciado
não é o Nome Imutável (
Ch’ang Ming).

2. Do que não tem nome (wu-ming) surgiu “Céu e Terra”;
e dos nomes (ming) surgiram as dez mil coisas.

3. Quando não existe (wu) pressentimos sua essência (miao);
e quando existe (yu) vemos sua aparência (chiao).

4. Ambos têm a mesma origem,
mas diferem no nome.
O mais obscuro mistério (hsüan): eis o portal (chiao) de onde surgiu sua essência (miao).

II
1. Quando todos os homens sob o Céu julgam o belo como belo,
é aí que surge o feio.
Quando todos os homens sob o Céu julgam o bem como bem,
é aí que surge o mal.

2. A não-existência e a existência geram-se mutuamente; 
o fácil e o difícil completam-se mutuamente;
o curto e o longo contrastam mutuamente;
o baixo e o alto determinam-se mutuamente;
o silencio e o som harmonizam-se mutuamente;
o antes e o depois seguem-se mutuamente.

3. Assim, o Mestre:
age (wei) sem ações (wu-wei);
fala (ming) sem palavras (wu-ming);
as dez mil coisas se desenvolvem espontaneamente (tzu-jan)
e ele as aceita como são;
produz sem se apropriar delas;
dá sem esperar retribuição;
realiza a obra sem exigir os créditos.
E porque não exige os créditos a obra permanece com ele.

III
1. Não exaltar (shang) os homens superiores (hsien)
evita que eles compitam;
não acumular objetos de valor;
evita que os homens roubem;
não excitar os desejos;
evita que a mente e o coração dos homens se agite.

2. Assim, o Mestre governa:
esvaziando a mente e o coração (hsu-hsin);
enchendo o ventre;
enfraquecendo os desejos;
fortalecendo os ossos.

3. Ele mantém os homens sem conhecimentos e sem desejos (wu-yu) 
e evita que os homens com conhecimentos ajam.

4. Sem ações (wu-wei), tudo permanece em ordem.

IV
1. O Tao parece vazio (hsu) como o interior de um vaso;
mas seu uso (yung) nunca se esgota.
Insondável, talvez o antepassado das dez mil coisas.

2. Apara as arestas;
desembaraça a meada;
obscurece a luminosidade;
assenta a poeira .

3. Profundo e sereno, parece Imutável (Ch'an).
Não sei de quem possa ser filho.
Parece anterior ao Imperador Ancestral.

V
1. "Céu e Terra” não é humanitário (jen),
para ele as dez mil coisas são como cães de palha.

2. O Mestre não é humanitário (jen),
para ele os homens são como cães de palha.

3. “Céu e Terra” parece vazio (hsu) como o interior de um fole;
mas seu uso nunca se esgota;
ativado produz sempre mais.

4. As palavras são inúteis.
É melhor manter-se no interior (chung).

VI
1. O “espírito (shen) do vale (ku)” nunca morre.
Chama-se a “fêmea misteriosa”.
O portal da “fêmea misteriosa” é a raiz de onde surgiram  "Céu e Terra”.

2. Está aqui dentro de nós o tempo todo; absorve-o que nunca se esgota.

VII
1. “Céu e Terra” é Imutável (Ch’ang).

2. É Imutável (Ch'ang) porque não vive para si mesmo,
por isso é Imutável (Ch’ang)

3. Assim, o Mestre, colocando-se atrás
está sempre na frente.
Porque não vive para si mesmo, é Imutável (Ch'ang).

4. Não será que justamente por não ter objetivos,
seus objetivos se realizam?

VIII
1. O mais valioso dos bens sob o Céu é como a água.
A água beneficia as dez mil coisas e sem competir com
elas permanece nos lugares que os outros desdenham.
Por isso se assemelha ao Tao.


2. Se os homens consideram o chão o melhor lugar para construir suas casas;
se entre os pensamentos valorizam os mais profundos;
se na amizade valorizam a gentileza;
se nas palavras valorizam a verdade;
se no governo valorizam a ordem;
se nas ações valorizam a eficiência;
se nos atos valorizam a oportunidade;
é porque preferem não competir.

3. E porque não competem não erram.

IX
1. Enche o vaso até a borda
e te arrependerás.
Afia uma lâmina até o limite máximo
e logo perderá seu gume.
Um quarto cheio de ouro e jade
não pode ser protegido.
Riquezas, honrarias e orgulho
levam à desgraça.

2. Realizada a obra é hora de desaparecer.
Esse é o Tao do Céu (Ti’en).

X
1. Podes manter o espírito (ying-po) abraçado ao Uno
sem nunca se separar?

2. Podes concentrar o sopro de vida (ch’i) até torná-lo
tão suave como o de um bebê?

3. Podes purificar tua visão misteriosa (hsüan-lan) até torná-la imaculada?

4. Podes amar os homens e governar o império
sem conhecimentos (chih)?

5. Podes  abrir e fechar as portas do Céu como se fosses a fêmea de um pássaro?

6. Podes penetrar em tudo sem nunca ousar agir?

7. Alimenta e nutre;
produz sem se apropriar;
dá sem exigir retribuição;
guia sem comandar.
Esse é o 
Poder Misterioso (Hsüan-Te) .

XI
1. Trinta raios convergem para o centro da roda,
mas é do vazio (wu) que depende sua utilidade.
Modela-se a argila em forma de vaso,
mas é do 
vazio que depende sua utilidade.
Constroem-se portas e janelas para fazer um 
quarto, mas é do vazio que depende sua utilidade.

2. Assim, da matéria (yu) depende a substância, 
e do vazio (wu) a sua utilidade.

XII
1. As cinco cores cegam os olhos do homem.
Os cinco sons ensurdecem os ouvidos do homem.
Os cinco sabores estragam o paladar do homem.

2. Corridas e caçadas agitam a mente e o coração (hsu) do homem.
Objetos de valor prejudicam a conduta do homem.

3. Assim, o Mestre se ocupa com o ventre
e não com os olhos.
Ele aceita isto e rejeita aquilo.

XIII
1. “Deves temer tanto a sorte quanto o azar”.
“Considera um grave problema com a mesma seriedade com que você considera seu corpo”.

2. O que significa: “deves temer tanto a sorte quanto o azar”?
A sorte é considerada inferior.
Deves temer tanto quando a recebes como quando a perdes. É isso que significa “deves temer tanto a sorte quanto o azar”.

3. O que significa: “considera um grave problema com a mesma seriedade com que você considera seu próprio corpo”?
A única razão pela qual eu tenho um grave problema é porque tenho um corpo.
Se não tivesse um corpo, que problema eu poderia ter?

4. Assim podemos aceitar o ditado: “àquele que valoriza o
Império como seu próprio corpo pode-se confiar o Império”;
“àquele que estima o Império, como seu próprio corpo, pode-se confiar o Império.”

XIV
1. Aquilo que olhamos e não conseguimos ver,
pois é o invisível (i).
Aquilo que escutamos e não conseguimos ouvir,
pois é o inaudível (hsi).
Aquilo que tocamos e não conseguimos sentir,
pois é o intangível (wei).
Esses três estados, cuja essência é indecifrável,
fundem-se no Uno

2. Sua face superior não é iluminada
e sua face inferior não é obscura.
Imutável (Ch’ang), não pode ser nomeado,
retorna à não-existência (wu).
É a forma do sem forma, é a imagem do invisível,
é chamado o mistério (hsuan).
Indo ao seu encontro, não vemos seu rosto;
seguindo-o, não vemos suas costas.

3. Aqueles que praticavam o Tao antigo,
dominavam o momento presente 
e assim conheciam a origem do princípio.
Isso é chamado a essência (miao) do Tao.

XV

1. Os antigos Mestres do Tao
devido a sua sutileza profunda e a sua misteriosa harmonia (hsüan-t’ung),
conseguiam passar despercebidos.
Como 
conseguiam passar despercebidos
só a muito custo era possível descrever seu aspecto exterior.

2. Cautelosos como quem atravessa um rio congelado no inverno;
vigilantes como quem teme a todos em volta;
discretos como hóspedes;
desvanecendo-se como o gelo que se derrete;
simples como a madeira bruta (p’u);
vazios como o vale;
obscuros como a lama.

3. Assim, quem mais poderia através da quietude (hsu) tornar a água turva, límpida?
Quem mais poderia, após ficar imóvel, voltar à vida através da atividade?

4. Aqueles que praticavam o Tao antigo não tentavam se
encher até a borda;
e porque não tentavam se encher até a borda não se exauriam,
evitando assim de serem renovados.

XVI
1. Alcança a quietude (hsu) completa.
Mantêm a serenidade perfeita.

2. As dez mil coisas entram na existência (yu)
e depois as vemos retornar (fu).
Contempla as coisas que florescem,
cada qual retorna (fu) à origem.
Retornar (fu) à origem significa quietude (hsu).
Quietude (hsu) significa retornar (fu) ao destino (ming).

3. Retornar ao destino (ming) significa Imutável (Ch’ang).
Praticar o Imutável (Ch'ang) é chamado esclarecimento.
Não praticar o Imutável (Ch'ang) leva à desgraça.

4. Aquele que pratica o Imutável (Ch'ang) abraça as dez mil coisas.
Aquele que abraça as dez mil coisas é imparcial.
Aquele que é imparcial é Mestre.
Aquele que é Mestre abraça o Céu.
Aquele que abraça o Céu está em harmonia com o Tao.

5. Aquele que está em harmonia com o Tao é Imutável (Ch’ang),
e se livra do perigo (pu-tai) pelo resto de sua vida.

XVII
1. Nos tempos antigos os homens desconheciam que existiam soberanos.
Na época seguinte os soberanos foram amados e louvados.
Mais tarde, foram temidos.
Por último, foram desprezados.

2. Assim, foi somente quando os soberanos deixaram de acreditar
nos homens que os homens não acreditaram mais neles.

3. Como eram discretos aqueles soberanos antigos, mostrando
com seu silêncio o pouco valor das palavras!

4. Realizada a obra, os homens comentavam: “eles seguiram a Natureza” (tzu-jan).

XVIII
1. Quando os homens se afastam do Tao aparece a humanitário (jen) e a moralidade (i).

2. Quando surgem os conhecimentos (hsieh) e a sabedoria aparecem os grandes hipócritas.

3. Quando as seis relações deixam de ser harmoniosas aparecem a piedade filial (hsiao-tz’u) e o amor paterno.

4. Quando há confusão e desordem entre os estados aparecem os ministros leais.

XIX
1. Livra-te dos conhecimentos, abandona a sabedoria
e os homens sairão beneficiados cem vezes.
Livra-te do humanitarismo (jen), abandona a moralidade (i)
e os homens retornarão à piedade filial (hsiao-tz’u) e ao amor paterno.
Livra-te do utilitarismo (li), abandona a habilidade
e não haverá mais bandidos nem ladrões.

2. Se após essas atitudes a vida se tornou insípida, procura:
a pureza da seda crua (su);
a simplicidade da madeira bruta (p’u);
o esquecimento de si mesmo;
ter poucos desejos (kua-yu).

XX
1. Livra-te dos conhecimentos e não haverá mais problemas.

2. Qual é a diferença entre “sim senhor” e “claro que não”?
Qual é a diferença entre o bem e o mal?

3. O ditado: “o que os homens temem eu também devo temer”,
é muito confuso e a confusão não tem fim!

4. Os homens vivem como se a vida fosse uma grande festa de sacrifício,
ou como se subissem a uma torre em primavera;
só eu permaneço inerte, sem desejos, como um bebê que ainda não aprendeu a sorrir;
desamparado, como se não tivesse um lar.
Os homens vivem na abundância; só eu pareço ter perdido tudo;
a minha mente é como a de um ignorante, embotada e confusa.
Os homens parecem brilhantes; só eu pareço obscuro.
Os homens discriminam e parecem seguros de si mesmos; só eu não discrimino;
indistinto como o mar; soprando à deriva, como o vento sem direção.
Os homens parecem ter vontades, só eu pareço teimoso e rústico.

5. Só eu sou diferente pois aprecio o alimento da Mãe (Tao).

XXI
1. Os sinais do Te (Poder) provém do Tao.

2. O Tao é invisível e intangível.
Invisível e intangível, mas dentro dele estão contidas as formas.
Invisível e intangível, mas dentro dele estão contidas as coisas.
Profundo e obscuro, mas dentro dele está contida a essência (ching).

3. A essência (ching) é real e dela temos evidências, pois desde os
tempos mais remotos suas manifestações nunca cessaram e é
através delas que podemos pressentir a origem das dez mil coisas.
Como posso pressentir a origem das dez mil coisas?
Justamente através disto!

XXII
1. “Sê flexível e te conservarás inteiro”.
Enverga-te e ficarás ereto.
Esvazia-te e serás repleto.
Exaure-te e serás renovado.
Aquele que tem pouco pode receber mais.
Aquele que tem muito fica confuso.

2. Assim, o Mestre abraça o Uno 
e se torna o modelo de tudo o que existe sob o Céu.
Ele não aparece, mas é esclarecido;
não se explica, mas é proeminente;
não se enaltece, mas é reconhecido;
não se gaba, mas dura por muito tempo.
E porque não compete ninguém pode competir com ele.

3. Será o antigo ditado: “Sê flexível e te conservarás inteiro”,
uma sentença vazia?
Em verdade, é sendo flexível que te conservarás inteiro.

XXIII
1. A Natureza (tzu-jan) fala pouco.
Um vendaval não dura a manhã inteira.
Um aguaceiro não dura o dia todo.
E quem os produz? A Natureza.
Se as ações da Natureza não conseguem durar muito tempo,
quanto menos as ações do homem!

2. Aquele que pratica o Tao (Caminho)
se identifica com o Tao;
aquele que possui o Te (Poder)
se identifica com o Te;
aquele que abandona o Tao,
se identifica com o abandono do Tao.
Aquele que se identifica com o Tao,
Tao fica feliz de estar com ele;
aquele que se identifica com o Te
o Te fica feliz de estar com ele;
e aquele que se identifica com o abandono do Tao,
o abandono do Tao também fica feliz em abandoná-lo.

4. Assim, foi somente quando os soberanos deixaram de acreditar
nos homens que os homens não acreditaram mais neles.

XXIV
1. Aquele que fica na ponta dos pés não tem firmeza;
aquele que dá grandes passadas não vai muito longe;
aquele que aparece não é esclarecido;
aquele que se explica não é proeminente;
aquele que se enaltece não é reconhecido;
e aquele que se gaba não dura por muito tempo.

2. Essas ações são como “restos de comida” ou “um tumor purulento”,
que todas as criaturas detestam.
Assim, aquele que pratica o Tao se afasta delas.

XXV
1. Há uma coisa indiferenciada, porem completa, anterior a “Céu e Terra”.
Silenciosa e sem forma, não depende de nada e é Imutável (Ch’ang), 
opera em toda parte e está livre do perigo.
Pode ser considerada a mãe  das dez mil coisas.

2. Como desconheço seu nome chamo-a de Tao.
Se fosse obrigado a descrevê-la diria que é grande.
Grande significa que opera em toda parte.
Operar em toda parte significa que vai para longe.
Ir para longe significa que retorna ao lugar de origem.

3. Assim, o Tao é grande;
o Céu é grande;
a Terra é grande;
o Mestre é grande.
Há quatro grandes no Universo e o mestre é um deles.

4. O Mestre segue o modelo da Terra;
a Terra segue o modelo do Céu;
o Céu segue o modelo do Tao;
o Tao segue o modelo da Natureza (tzu-jan).

XXVI
1. O pesado é a raiz do leve.
A quietude (hsu) é a raiz da agitação.
Assim, o Mestre viaja o dia inteiro sem se afastar de
sua bagagem e mesmo diante de magníficas paisagens 
ele permanece quieto e indiferente.

2. Como poderia um soberano, dono de inúmeros carros de guerra, se comportar levianamente com aqueles que ele governa?

3. Se for leviano perde a raiz.
Se for apressado perde o trono.

XXVII
1. O caminhante perfeito não deixa pegadas;
o discurso perfeito não tem palavras;
o contador perfeito não usa ábaco;
a porta perfeitamente trancada não tem tranca e mesmo assim
ninguém consegue abri-la;
o nó perfeitamente amarrado não tem corda e mesmo assim
ninguém consegue desatá-lo.

2. Assim, o Mestre, ajuda os homens da forma mais perfeita,
ele não rejeita ninguém;
e ajuda as coisas da forma mais perfeita, ele não rejeita nenhuma.
Isso se chama: “praticar (hsi) a luz”.

3. Assim, o homem perfeito é o mestre do imperfeito;
e o homem imperfeito uma lição para o perfeito.
Aquele que não valoriza seu Mestre e aquele que não aprecia
a lição, mesmo sendo eruditos, ficam confusos.
Essa é a essência (miao) do mistério (hsuan).

XXVIII
1. Aquele que conhece a atitude do macho mas segue o modelo da fêmea
 é como o vale do Império.
Sendo como o vale do império alcança o Ch’ang-Te (Poder Imutável)
e retorna (fu) à infância.

2. Aquele que conhece o branco mas segue o modelo do preto
 é como o vale do Império.
Sendo como o vale do império não se desvia do Ch’ang-Te (Poder Imutável)
e retorna (fu) à não-existência (wu).

3. Aquele que conhece a glória, mas segue o modelo do anonimato,
é como o vale do Império.
Sendo como o vale do Império não se afasta do Ch’ang-Te (Poder Imutável)
 e retorna (fu) à simplicidade da madeira bruta (p’u).

4. Quando os homens usam a madeira bruta (p’u) a transformam nos
diversos utensílios.
Quando o Mestre a usa se transforma no Chefe dos Ministros.
Assim, o talhador perfeito não precisa talhar nada.

XXIX
1. Aquele que quiser agir sobre o Império não o conseguirá.
O Império é como um vaso encantado sobre o qual não se pode agir (wei).
Aquele que quiser agir (wei) sobre ele o danifica;
aquele que quiser segurá-lo, perde-o.

2. Entre as criaturas, algumas lideram e outras seguem;
alguns sopram quente e outros sopram frio;
alguns são fortes e outros são fracos;
alguns ascendem e outros declinam.
Assim, o Mestre evita os excessos, as extravagâncias e os extremos.

XXX
1. Aquele que pratica o Tao
não aconselha o soberano a conquistar o império pelo uso das armas,
pois tais ações recaem sobre a sua própria cabeça.
Onde acampa um exército crescem cardos e espinhos.
Grandes guerras são seguidas por anos de fome.

2. Assim, um bom comandante cumpre a missão e se detém,
pois não ousa tirar vantagem da sua vitória.
Cumpre a missão e não se gaba disso;
cumpre a missão e não se ufana disso;
cumpre a missão e não se orgulha disso;
cumpre a missão só quando não há outra opção;
cumpre a missão sem violência.

3. Quando as coisas alcançam o apogeu encontram o declínio e isso é contrário ao Tao.
Tudo o que é contrário ao Tao morre cedo.

XXXI
1. Armas sofisticadas são instrumentos de mau agouro, odiadas pelo homem.
Assim, aquele que pratica o Tao as evita.

2. Quando o bom soberano está em casa o lugar de honra é à
esquerda e à direita quando está em guerra.
Armas são instrumentos de mau agouro, não instrumentos de um
bom soberano.
Ele só as utiliza quando não há nenhuma outra opção, pois considera a quietude como a principal virtude.
No cumprimento da missão não encontra prazer, pois aquele
que se deleita com a matança dos homens nunca conseguirá ordenar o Império.

3. Em ocasiões auspiciosas a esquerda é o lugar de honra e em ocasiões não auspiciosas a direita é o lugar de honra. O Tenente Coronel ocupa o lugar à esquerda, e o General ocupa o lugar à direita.

4. Isso quer dizer que o ritual segue aquele das cerimônias funerais. Pelo massacre das multidões vamos chorar com pena e dor. Pela vitória, vamos, nesta ocasião, observar as cerimônias funerais.

XXXII
1. O  Ch’ang Tao (Caminho Imutável) não tem nome (wu-ming).
Embora a simplicidade da madeira bruta (p’u) possa parecer
insignificante, ninguém no mundo pode possuí-la.

2. Se Reis e Duques retornassem 
(fu) à simplicidade da madeira bruta (p’u)
as dez mil coisas sob o Céu se submeteriam naturalmente (tzu-jan).

3. “Céu e Terra” produzem o doce orvalho que sem interferência
dos homens permeia a todos por igual.

4. Quando a madeira é talhada aparecem os nomes (ming).
Quando aparecem os nomes (ming) é hora de parar.
E é sabendo quando parar que não se corre mais perigo.

5. O Tao é como o mar para o qual todos os rios e riachos fluem.

XXXIII
1. Aquele que conhece os outros é inteligente;
aquele que conhece a si mesmo é esclarecido.
Aquele que vence o outro é forte;
aquele que vence a si mesmo é poderoso.
Aquele que se satisfaz com o suficiente é rico;
aquele que mantém seu propósito é constante;
aquele que não perde seu lugar é estável;
aquele que morre mas não perece, tem uma vida longa.

XXXIV
1. O Ta Tao (Grande Caminho) flui por toda parte, 
tanto à esquerda quanto à direita.
As dez mil coisas dependem dele para a vida e ele as aceita como são.
Realiza a obra sem reclamar os créditos.
Veste e alimenta as dez mil coisas sem se apropriar delas. Sempre sem desejos (wu-yu) pode ser chamado de “pequeno” (hsiao).
As infinitas coisas retornam a ele, pode ser chamado de “grande” (ta).

2. Assim, porque o Mestre não procura a grandeza, alcança a grandeza.

XXXV
1. Aquele que alcançou a Grande (Ta) Visão (Hsiang), os homens vêm a ele.
Eles vêm e não encontram desgraça, senão quietude, harmonia e paz.

2. Música e iguarias fazem o caminhante se deter;
mas as palavras proferidas pelo Tao, quanto insípidas são!

3. O olhamos e é invisível;
o escutamos e é inaudível;
o usamos e é inesgotável.

XXXVI
1. Para contraí-lo, é necessário primeiro expandi-lo;
para enfraquecê-lo, é necessário primeiro fortalecê-lo;
para destituí-lo é necessário primeiro promovê-lo;
para tirar-lhe é necessário primeiro dar-lhe.
Isso chama-se: “obscurecer a luminosidade”.

2. O brando vence o duro e o flexível o rígido.
Não se deve tirar o peixe do fundo do mar,
nem se deve mostrar ao povo as afiadas armas do império.

XXXVII
1. O Tao Imutável (Ch’ang) não age (wu-wei), mas nada fica sem ser feito.

2. Se Reis e Duques o praticassem, as dez mil coisas
sob o Céu se transformariam naturalmente (tzu-jan).
Se após a transformação elas desejassem agir (wei), eu as deteria
com a simplicidade da madeira bruta (p’u) do sem nome (wu-ming).
A simplicidade da madeira bruta (p’u) do sem nome (wu-ming) 
significa sem desejos (wu-yu).
Sem desejos (wu-yu) significa quietude (hsu).

3. Assim, o império recupera a ordem naturalmente (tzu-jan).


TE

XXXVIII
1. Aquele que possui o Te (Poder Superior) não sabe que tem
poder, mas tem Te.
Aquele que possui o  te (poder inferior) acredita ter poder, mas
não tem Te.

2. Aquele que possui o Te (Poder Superior) não tem vontade de
agir e não age (wu-wei).
Aquele que possui o poder te (poderinferior) tem vontade de agir e age (wei).
Aquele que possui o humanitarismo (jen) superior tem vontade de agir (wei),
mas não age (wu-wei).
Aquele que possui a moralidade (i) superior tem vontade de agir e age (wei).
Aquele que possui o ritual (li) superior não somente tem vontade
de agir e age como que usa a violência para impor a sua vontade.

3. Assim, quando os homens perdem o Tao aparece o Te;
quando os homens perdem o Te aparece o humanitarismo (jen);
quando os homens perdem o humanitarismo aparece a moralidade (i);
e quando os homens perdem a moralidade (i) aparece o ritual (li).
O ritual (li) é apenas a aparência da lealdade e da confiança e
o início da desordem.

4. Eis porque o Mestre se ocupa com a essência (miao)e não com a aparência (hsiao);
ele escolhe o fruto e deixa a flor; ele aceita isto e rejeita aquilo.

XXXIX
1. Nos tempos antigos, as coisas que alcançaram o Uno:
o Céu alcançou o Uno e se tornou luminoso;
a Terra o alcançou Uno e se tornou sólida;
o Espírito alcançou o Uno e se tornou numinoso:
o Vale alcançou o Uno e se tornou pleno;
Reis e Duques alcançaram o Uno e governaram;
as dez mil coisas alcançaram o Uno e se reproduziram.
Eis o resultado de alcançar o Uno.

2. Se o Céu não fosse luminoso, obscureceria;
se a Terra não fosse sólida, se racharia;
se o Espírito não fosse numinoso, se dissiparia;
se o Vale não se tornasse pleno se exauriria; se Reis e Duques não governassem, seriam depostos;
e se as dez mil coisas não se reproduzissem, cessariam.

3. Assim, o nobre toma o humilde como sua base
e o alto toma o baixo como seu fundamento.
Reis e Duques se autodenominam “órfãos, solitários e indignos”.
Não se chama a isso tomar o humilde como sua base?
Diz o ditado: “consegue as partes de uma carruagem e ainda
não terás a carruagem” e “eles não queriam tinir como uma
pedra de jade, mas soar como um canto rolando”.

XL
1. O retorno (fu) é o movimento do Tao.
A fraqueza é a ação do Tao.

2. As dez mil coisas surgem da existência (yu);
a existência surge da não- existência (wu).

XLI
1. Quando um Mestre superior ouve falar do Tao, o pratica sem hesitar.
Quando um Mestre medíocre ouve falar do Tao, ora acredita ora duvida.
Quando um Mestre inferior ouve falar do Tao, ri às gargalhadas;
e se não ri alto é porque não se tratava do verdadeiro Tao.

2. Diz o ditado:
Tao esclarecido parece obscuro;
Tao que avança parece retroceder;
o  Tao reto parece torto;
Te elevado parece com o vale;
o Te branco imaculado parece manchado;
o  Te abundante parece insuficiente;
o Te forte parece fraco;
o natural e puro parece murcho.

3. O grande quadrado não tem ângulos;
o grande vaso demora a ficar pronto;
a grande música custa a ser ouvida;
a grande visão não tem forma.

4. Assim, o Tao está oculto e não tem nome (wu-ming), 
mas só ele sustenta as dez mil coisas e as leva à realização.

XLII
1. Do Tao surgiu o Uno;
do Uno surgiu a dualidade;
da dualidade surgiu a trindade;
da trindade surgiram as dez mil coisas.

2. As dez mil coisas carregam a obscuridade 
(yin) e abraçam a luminosidade (yang) 
e é pela fusão de seus sopros de vida (ch’i) que alcançam a harmonia.

3. O que os homens mais detestam é serem chamados de “órfãos,
solitários e indignos”, embora reis e duques assim se denominam.
Assim, freqüentemente, as coisas quando perdem, ganham e quando ganham, perdem.

4. O que os outros ensinam eu também ensino: “os violentos não
morrem de morte natural”.
Farei deste ditado a base do meu ensinamento.

XLIII
1. O mais brando vence o mais duro;
a não-existência (wu) penetra onde não há espaço.
Através disso vejo o valor do não-agir (wu-wei).

2. Falar (ming) sem palavras (wu-ming) e agir (wei) sem ações (wu-wei),
são poucos os que conseguem.

XLIV
1. O que é mais importante, a fama ou o próprio corpo?
O que tem mais valor, o próprio corpo ou as riquezas?
O que é pior, o lucro ou o prejuízo?

2. Aquele que se apega à fama, paga um alto preço;
aquele que mais acumula, sofre a maior perda;
aquele que se satisfaz com o suficiente, não sofre perda alguma;
aquele que sabe quando parar, se livra do perigo e tem vida longa.

XLV
1. A grande perfeição parece imperfeita, mas sua utilidade
permanece intacta.
A grande plenitude parece vazia, mas seu uso é inesgotável.
A grande reta parece torta.
A grande habilidade parece desajeitada.
A grande eloquência parece gaga.

2. O movimento vence o frio, mas a quietude vence o calor.
Assim, através da quietude (hsu) pode se ordenar o Império.

XLVI
1. Quando no Império prevalece o Tao,
cavalos de passeio fertilizam os campos.
Quando o império se afasta do Tao,
cavalos de guerra são criados nas fronteiras.

2. Não há calamidade maior do que ter muitos desejos (yu-yu).
Não há desgraça maior do que nunca estar satisfeito.
Não há desastre maior do que querer sempre mais.
Assim, aquele que se satisfaz com o suficiente está sempre satisfeito.

XLVII
1. Sem atravessar a porta, ele conhece o Império.
Sem olhar pela janela, ele vê o Tao do Céu.
Quanto mais longe se vai, menos se conhece.

2. Assim, o Mestre:
pressente tudo sem sair do lugar;
vê tudo sem olhar;
faz tudo (wei) sem ação (wu-wei).

XLVIII
1. Aquele que persevera no conhecimento aumenta mais a cada dia.
Aquele que pratica o Tao diminui mais a cada dia.
Vai diminuindo e diminuindo até alcançar a não- ação (wu-wei).
Sem ações (wu-wei) nada fica sem ser feito.

2. Sem ações (wu-wei) os antigos colocavam ordem no Império.
Se tivessem agido (wei) eles nunca teriam colocado o Império em ordem.

XLVIX
1. O Mestre não tem idéias próprias,
mas usa as idéias dos outros homens como se fossem suas.

2. Com os tolerantes ele é tolerante e com os intolerantes
também é tolerante;
e assim obtém tolerância.
Nos sinceros ele acredita e nos insinceros também acredita;
e assim obtém sinceridade.

3. O Mestre tem uma aparência discreta e sua mente forma um todo harmonioso com a mente do seu povo.
Os homens emprestam seus olhos e ouvidos e o mestre os trata como se fossem crianças.

L
1. Aquele que alimenta a vida em excesso encontra a morte.
Três entre dez são companheiros da vida;
três entre dez são companheiros da morte;
e três entre dez são companheiros da vida, mas morrem cedo.
E por que isso? Porque se excedem na vida.

2. Ouvi dizer que aquele que preserva verdadeiramente sua vida
não é atacado por tigres nem rinocerontes, 
e no campo de batalha não é ferido pelas armas.
Os tigres não encontram onde cravar suas garras 
nem os rinocerontes onde enfiar seus cornos, 
nem as armas onde afundar suas lâminas.
E por que isso? Porque nele não há lugar para a morte.

LI
1. O Tao as gera e a o Te as nutre.

2. A matéria lhes dá a forma física
e são completadas de acordo com as tendências e as circunstâncias.
Assim, as dez mil coisas, sem exceção, valorizam o Tao e apreciam  o Te.

3. O Tao é valorizado e o Te apreciado, não por um decreto,
mas espontaneamente (tzu-jan).

4. Assim, o Tao as gera e o Te as nutre, as desenvolve, as completa, as amadurece, as mantêm, as abriga e as protege.

5. Produz sem se apropriar delas;
dá sem exigir retribuição;
guia sem comandar;
Esse é o seu 
Poder Misterioso (HsüanTe) .

LII
1. À origem das dez mil coisas sob o Céu,
pode-se chamar de Mãe (Tao).
Aquele que encontrou a Mãe conhece os filhos;
e é porque conhece os filhos e encontrou a Mãe
se livra do perigo pelo resto de sua vida.

2. Fecha a boca, tranca as portas e viverás sem decair até o final dos teus dias.
Abre a boca, aumenta tuas tarefas e não haverá salvação até o final dos teus dias.

3. Perceber o imperceptível, é esclarecimento.
Aderir à fraqueza, é fortaleza.
Aquele que conhece o brilho exterior, mas retorna (fu) ao
esclarecimento interior, se livra do perigo pelo resto de sua vida.
Isso chama-se“praticar o Imutável" (Ch’ang).

LIII
1. Se eu tivesse um mínimo de conhecimento andaria pelo 
Ta Tao
 (Grande  Caminho) com o único temor de me perder dele.
Embora o Ta Tao seja reto e seguro, os homens preferem os atalhos.

2. A corte está extremamente bem cuidada, os campos cheios de
mato e os celeiros vazios.
Usam-se elegantes vestidos; carregam-se afiadas espadas;
excedem-se na comida e na bebida;
e acumulam mais objetos de valor do que podem usar.
Isso é banditismo e extravagância, não o 
Ta Tao .

LIV
1. Aquele que está perfeitamente plantado não pode ser arrancado.
Aquele que está perfeitamente enraizado não pode ser solto.
Graças ao Te, geração após geração o sacrifício aos ancestrais nunca será suspenso.

2. Quando alguém cultiva o  Te, na própria pessoa, torna-se o Te verdadeiro;
quando alguém cultiva o Te na família, torna-se o Te transbordante;
quando alguém cultiva s o Te na aldeia, torna-se o Te duradouro;
quando alguém cultiva o Te no Reino, torna-se o Te abundante;
e quando alguém cultiva o Te no Império, torna-se o Te universal.

3. Assim, graças ao Te a pessoa deveria ser vista como uma pessoa;
graças ao Te a família deveria ser vista como uma família;
graças ao Te aldeia deveria ser vista como uma aldeia;
graças ao Te ,o Reino deveria ser visto como um Reino;
e, graças ao Te ,o Império deveria ser visto como um Império.
4. Como posso pressentir o Império? Justamente através disto.

LV
1. Aquele que alcançou o Te é como um bebê.
Os insetos venenosos não o picam; as feras não o ferem;
e as aves de rapina não o atacam.
Seus ossos são brandos; seus tendões flexíveis;
mas seu aperto de mão é firme.
Nada sabe sobre a união do homem e da mulher,
mas seu membro fica teso; significa que a sua vitalidade está no auge.
Chora o dia inteiro sem ficar rouco; significa que a harmonia é perfeita.

2. Alcançar a harmonia significa estar de acordo com o Imutável (Ch’ang)

3. Estar de acordo com o Imutável (Ch’ang) é esclarecimento.

4. Encher a vida até a borda é de mau agouro;
agitar o coração (hsin) leva-o à rigidez;
quando as coisas alcançam o apogeu começam a declinar.
Tais ações são contrárias ao Tao e tudo que é contrário ao Tao morre cedo.

LVI
1. Aquele que sabe não fala;
aquele que fala não sabe.
Fecha a boca;
tranca as portas;
apara as arestas;
desata os nós;
obscurece a luminosidade;
assenta a poeira;
isso chama-se “Acordo Misterioso”.

2. Aquele que o alcançou,
não pode ser aceito nem rejeitado;
não pode ser favorecido nem prejudicado;
não pode ser elogiado nem humilhado.
Eis porque ele é o mais valioso dos homens sob o Céu.

LVII
1. Para governar o Reino, usa-se a retificação dos nomes (cheng-ming).
Para ganhar as batalhas, usa-se a tática da surpresa.
Mas, para ordenar o Império, usa-se o não-agir (wu-wei). Como sei disso?
Justamente através disto.

2. Quanto mais proibições e restrições, maior a opressão dos homens;
quanto mais armas, maior a revolta;
quanto mais artesões espertos, mais invenções inúteis;
quanto mais leis e regulamentos, mais bandidos e ladrões.

3. Assim,o Mestre disse:
sem ações (wu-wei) os homens transformam-se naturalmente (tzu-jan);
na quietude (hsu) os homens endireitam-se naturalmente (tzu-jan);
sem ações (wu-wei) os homens prosperam naturalmente (tzu-jan);
sem desejos (wu-yu) os homens retornam à simplicidade da madeira bruta (p’u) naturalmente (tzu-jan).

LVIII
1. Quando o soberano não oprime e passa desapercebido, os homens permanecem
contentes e satisfeitos;
quando o soberano oprime e aparece, os homens ficam descontentes e insatisfeitos.

2. A desgraça esta latente na felicidade;
e na felicidade está latente a desgraça
e ninguém sabe quando isso vai parar.

3. Quando o correto vira incorreto e o perfeito se torna imperfeito,
é porque os homens se perderam há muito tempo.

4. Assim, o Mestre:
tem ponta, mas não fura;
tem gume, mas não corta;
é correto, mas não faz concessões;
tem brilho, mas não ofusca.

LIX
1. Para governar o Império e servir ao Céu, nada como a frugalidade. 
Frugalidade significa “adquirir o hábito cedo”.
“Adquirir o hábito cedo” significa acumular o Te.

2. Aquele que acumulou o Te pode vencer qualquer obstáculo.
Aquele que vence qualquer obstáculo não conhece limites.
Aquele que não conhece limites está apto para governar o Império.

3. Somente aquele que encontrou a Mãe (Tao) pode governar o Império por muito tempo.
Isso chama-se “perfeitamente plantado” e “profundamente enraizado”.
Esse é o Tao da vida longa através do olhar fixo.

LX
1. Governar o grande Império é como fritar um peixinho.
Os que praticavam o Tao para governar tudo o que existe sob o Céu, 
não permitiam que os maus espíritos (kuei) desenvolvessem seus poderes dentro deles.
Não permitiam que os maus espíritos desenvolvessem seus
poderes dentro deles, nem que o bom espírito (shen) do Mestre fosse
usado para ferir outros homens.
Como o bom espírito do Mestre não era usado para ferir
outros homens, ele se livrava do perigo.

2. Assim, cada qual estando a salvo do perigo, 
ambos acumulavam o Te para benefício de todos sob o Céu.

LXI
1. O grande Império é como o leito de um rio, para o qual todas as correntes fluem.
É o ponto de convergência das dez mil coisas sob o Céu.
É a fêmea do mundo. A fêmea do mundo pela quietude (hsu) domina o macho
e pela quietude (hsu) permanece embaixo.

2. Um grande reino pode conquistar um pequeno reino
colocando-se embaixo;
e um pequeno reino também pode conquistar um grande reino
permanecendo embaixo.
Assim, uns conquistam pequenos Reinos colocando-se embaixo e outros
conquistam grandes Reinos permanecendo embaixo.

3. Na verdade, o que um grande reino quer é anexar outros reinos;
e o que um pequeno reino quer é ser anexado por um grande reino.
Assim, ambos cumprem a missão, mas é o grande reino que
deve se colocar embaixo.

LXII
1. O Tao é como o canto sudeste da casa.
É o tesouro do homem perfeito e o refúgio do homem imperfeito.
Boas palavras podem ganhar o respeito dos outros e
boas ações podem comprar honras.
Mesmo o homem sendo imperfeito, o Tao não o abandona.

2. Assim quando o soberano ocupa seu lugar como filho do Céu
e escolhe seus três ministros, no lugar de presenteá-lo com
grandes pedras de jade, precedidas de quatro cavalos, melhor
seria oferecer-lhe o Tao permanecendo sentado (tzo).

3. Por que os antigos valorizavam tanto o Tao?
Não eram eles que diziam daqueles que se tornavam parte dele:
“os que o procuram o acharão” e “os culpados serão libertados”.
Por isso, era considerada a mais valiosa das coisas sob o Céu.

LXIII
1. Agir(wei) sem ações (wu-wei);
fazer sem feitos
saborear sem sabores;
grandes ou pequenos, muitos ou poucos, retribui os insultos com o Te

2. Trata do difícil enquanto ainda é fácil.
Lida com o grande enquanto ainda é pequeno.
Grandes dificuldades começaram com grandes facilidades
e grandes obstáculos começaram como pequenos obstáculos.
Assim, porque o Mestre não procura a grandeza, alcança a grandeza.

3. Diz o ditado: “aquele que faz promessas levianas não inspira confiança” e
“aquele que acha as coisas muito fáceis certamente encontrará grandes dificuldades”.
Por isso, o Mestre, considerando as coisas fáceis como se fossem difíceis,
não encontrará nenhuma dificuldade.

LXIV
1. O que permanece quieto (hsu) é fácil de se segurar;
antes de receber um agouro é fácil fazer planos.
o que é frágil é fácil de se quebrar;
e o que é diminuto é fácil de se espalhar.
Trata das coisas antes de se manifestar;
coloca-as em ordem antes que entrem em desordem.

2. Assim, a árvore larga como o abraço de um homem começou com uma semente;
a torre de nove andares começou com um montículo de terra;
a viagem das mil léguas começou com um primeiro passo.

3. Aquele que age (wei), falha;
aquele que tenta segurá-lo, perde-o.
Assim, o mestre não age (wu-wei) e não falha;
não tenta segurá-lo e assim não o perde.
Mas os homens, quando estão prestes a realizar a obra,
freqüentemente falham.
Cuida do fim tanto quanto do princípio e realizarás a obra.

4. Assim, o Mestre deseja (yu) sem desejos (wu-yu);
não aprecia objetos de valor;
aprende sem aprender;
retorna (fu) às coisas que os homens ignoraram;
sustenta as dez mil coisas naturalmente (tzu-jan) e nunca ousa agir (wu-wei).

LXV
1. Nos tempos antigos, aqueles que praticavam o Tao não procuravam esclarecer os homens,
mas mantê-los ignorantes.
Quanto mais conhecimentos os homens têm, mais difícil é de governá-los.
Assim, aqueles que governam através dos conhecimentos
são como bandidos que rapinam a terra;
e aqueles que governam sem os conhecimentos
aportam uma dose de boa fortuna à terra.

2. Perceber a diferença entre essas duas coisas
significa “pressentir a norma”.
“Pressentir a norma” significa alcançar o Hsuan Te (
Poder Misterioso).
O Hsuan Te profundamente penetrante, vai até
tão longe e com ele as coisas retornam (fu) ao lugar de origem.
É assim que se alcança o “Grande Acordo Harmonioso”.

LXVI
1. Por que os grandes rios reinam sobre as cem correntes menores?
Justamente porque têm a virtude de permanecer abaixo delas.
Por isso reinam sobre todas elas.

2. Assim, o Mestre, para permanecer acima dos homens, deve
usar palavras que o coloquem abaixo deles;
para guiá-los, deve segui-los.
Somente assim ele pode permanecer no alto sem que os homens sintam seu peso;
somente assim ele pode guiá-los sem que os homens se sintam comandados;
somente assim os homens permanecem satisfeitos de serem
empurrados e nunca se cansam dele.

3. E porque não compete, ninguém pode competir com ele.

LXVII
1. Todos sob o Céu sabem que, embora meu Tao seja grande,
ele parece sem valor.
E é justamente por ser grande que ele parece sem valor.
Se ele fosse como qualquer outro, há muito tempo teria se
percebido a sua insignificância.

2. Eu tenho três tesouros;
guarda-os e conserva-os!
O primeiro é a tolerância (tz’u);
o segundo é a frugalidade;
e o terceiro é não querer ser "o primeiro de todos sob o Céu”.
Pois somente aquele que é tolerante, pode ser corajoso;
somente aquele que é frugal, pode ser generoso;
somente aquele que não ousa ser “o primeiro de todos sob o Céu” pode ser o chefe dos Ministros.

3. Nos tempos atuais, a coragem sem tolerância;
a generosidade sem frugalidade;
e a liderança sem obediência, significa a morte.
4. A tolerância é vitoriosa quando ataca, e firme quando se defende.
Assim, o Céu arma com tolerância àqueles que quer proteger.

LXVIII
1. O soldado experiente não é opressivo. O lutador experiente não fica com raiva. O conquistador experiente não compete com os outros.
O líder experiente permanece atrás dos outros.

2. Isso chama-se “a capacidade de guiar os homens” e o “poder de não competir”

3. Esse é o segredo de se abraçar ao Céu, o maior princípio dos tempos antigos.

LXIX
1. Os estrategistas dizem:
“não ouso tomar uma ação ofensiva, prefiro tomar uma ação defensiva;
“não ouso avançar um passo, prefiro recuar uma légua”.
Isso chama-se marchar sem formação;
arregaçar a manga sem mostrar o braço;
segurar a empunhadura sem parecer ter uma arma; 
enfrentar o inimigo sem apresentar frente de batalha”.

2. Não há desgraça maior do que subestimar o inimigo.
Subestimar o inimigo resultará na destruição dos meus tesouros.
Assim, quando dois exércitos se enfrentam, vence o que luta com tolerância.

LXX
1. Minhas palavras são muito fáceis de se entender
e muito fáceis de se colocar em prática;
mas ninguém as entende e ninguém as coloca em prática.

2. Minhas palavras têm um princípio e minhas ações uma lei,
e porque os homens não entendem isso eles não me entendem.

3. Quanto menos me entendem, maior o meu valor.
Assim, o Mestre usa roupas ordinárias por fora, mas carrega jade no peito.

LXXI
1. Saber que não se sabe é o melhor.
Não saber que não se sabe é uma doença.
Somente aquele que aceita essa doença como doença, pode se livrar dela.

2. Assim, porque aceita essa doença como doença, o Mestre esta livre dela.

LXXII
1. Quando os homens não temem a lei,
uma lei muito mais poderosa recai sobre eles.
Não reduzas suas moradas nem oprimas suas vidas.
E é justamente porque não oprimes suas vidas que eles não se afastam de ti.

2. Assim, o Mestre conhece a si mesmo, 
mas não aparece; conhece seu valor, mas não se exalta a si mesmo. 
Ele aceita isto e rejeita aquilo.

LXXIII
1. Aquele que ouça ter coragem morrerá.
Aquele que ouça não ter coragem viverá.
Destes dois, um se beneficia e outro se prejudica
e quem sabe por que o Céu desgosta do que desgosta? 
Nem o Mestre sabe a razão do porquê.

2. O Tao do Céu não compete, mas conquista;
não fala, mas dá respostas;
não chama, mas as coisas vêm a ele naturalmente (tzu-jan);
não tem pressa, mas têm planos.

3. Embora a teia do Céu seja vasta e sua malha grossa, nada escapa dela.

LXXIV
1. Os homens não temem a morte.
Por que então ameaçá-los com a pena de morte?
E mesmo que os homens temessem a morte, quem de nós ousaria castigar os faltosos?
Para isso existe o Supremo Verdugo e tomar o seu lugar
seria como serrar madeira no lugar do Mestre Carpinteiro.

2. Diz o ditado: “aquele que tenta serrar madeira no lugar do
Mestre Carpinteiro, dificilmente escapará de ferir sua mão”.

LXXV
1. Os homens morrem de fome porque os que estão acima deles 
recebem uma cota excessiva de grãos; por isso os homens morrem de fome.

2. Os homens são difíceis de governar porque os que estão acima deles, agem;
por isso os homens são difíceis de governar.

3. Os homens não temem a morte porque os que estão acima deles lutam pela
vida muito intensamente; por isso os homens não temem a morte.

4. Eis porque, somente aqueles que no correm atrás da vida, preservam a vida.

LXXVI
1. Quando os homens nascem, são brandos e flexíveis;
quando morrem, tornam-se duros e rígidos.
Quando as plantas têm vida, são tenras e frágeis;
quando morrem, tornam-se quebradiças e secas.
Assim, os duros e rígidos são “companheiros da morte”;
e os brandos e flexíveis são “companheiros da vida”.

2. Diz o ditado: “a lâmina demasiado rígida se partirá”;
e “a árvore mais dura será cortada”.
Eis porque os duros e rígidos são derrubados;
e os brandos e flexíveis permanecem no alto.

LXXVII
1. O Tao do Céu é como esticar um arco:
o extremo de cima desce e o extremo de baixo sobe.
Assim, o Tao do Céu reduz o excesso e completa o insuficiente.

2. O Caminho do homem não é assim:
reduz o insuficiente e completa o excesso.

3. Somente o Mestre tem o excesso suficiente para
alcançar a todos sob o Céu.
Assim, o Mestre dá sem esperar retribuição;
realiza a obra sem reclamar os créditos;
não revela seu valor.

LXXVIII
1. Não há nada mais brando e flexível que a água;
mas nada há de melhor para vencer as coisas duras e rígidas.
Por isso, é insubstituível.
Todos sabem que o brando vence o duro e que o flexível
vence o rígido, mas ninguém o pratica.

2. Assim, o Mestre disse: “somente aquele que sofre as desgraças do Império 
pode tornar-se o senhor de sua terra;
somente aquele que toma para si os infortúnios do Império
pode tornar-se o rei de todos os que habitam sob o Céu”.
3. As palavras certas parecem erradas.

LXXIX
1. Acabar com um grande ressentimento certamente deixará
algum ressentimento.
Como poderia ser isso considerado bom?
Assim, o Mestre cumpre a metade esquerda do contrato
e não culpa a outra parte.
Aquele que alcançou o Te.
presta atenção à metade esquerda do contrato;
aquele que não alcançou o Te presta atenção aos erros dos outros.

2. O Tao do Céu não faz distinções:
está sempre do lado do homem tolerante.

LXXX
1. Num país pequeno e de poucos habitantes, mesmo existindo
invenções que reduziam em dez e em até cem vezes a mão-de-obra,
nunca seriam utilizadas.
Os homens dariam valor a suas vidas e não migrariam para longe.
Haveria, inclusive, barcos e carruagens, mas ninguém os usaria.
Haveria flechas e armas, mas ninguém as exibiria.

2. Os homens não usariam nenhuma outra forma de escritura que não fosse os nós de cordas;
se satisfariam com seus próprios alimentos;
se contentariam com suas roupas simples;
se conformariam com seus lares;
e gostariam de tarefas rústicas.
O lugar mais próximo estaria tão perto que se ouviria o cantar
dos galos e o latir dos cachorros, mas os homens
envelheceriam e morreriam sem nunca terem estado lá.

LXXXI
1. As palavras verdadeiras não são bonitas;
as palavras bonitas não são verdadeiras.

2. Aquele que é tolerante não argumenta;
e aquele que argumenta não é tolerante.

3. Aquele que sabe não tem grandes conhecimentos;
aquele que tem grandes conhecimentos não sabe.

4. O Mestre não acumula para si.
Quanto mais ele usa para os outros, mas ele tem.
Quanto mais ele dá para os outros, mais ele recebe.
5. O Tao do Céu beneficia os outros sem ferir;
Tao do Mestre age sem competir.